14/11/2008
Do Efeito Devolutivo nos Recursos Inominados nos Juizados Especiais

Do Efeito Devolutivo nos Recursos Inominados nos Juizados Especiais

Eduardo José de Carvalho Soares – Juiz de Direito

 

Diante da observação empírica das condutas de algumas Turmas Recursais, pude identificar divergência de conduta quando do julgamento de petições de recursos compostas com preliminares de julgamento ultra ou extra petita pelo juízo singular.

Há colegiados recursais, após análise do recurso interposto, pelo relator são postos a julgamento processos, exercendo plenamente os poderes da devolução irrestrita outorgados por lei para reexame e conhecimento geral da matéria, promovendo decisões meritórias e capazes, sejam elas para retificar, modificar ou  manutenir  as sentenças objurgadas.

Outros, por sua vez, decidem em anular o ato processual recorrido e simplesmente devolver ao juízo a quo para que prolate novo decisum.

Buscando a luz da processualística civil pátria, associando as novas regras dos Juizados Especiais, sem que se permita, nestes, o contágio dos vícios procrastinatórios, mazela que denigre a imagem do nosso judiciário, e que busca se infiltrar nesse novo modelo especial, não encontrei obste à recepção do recurso no efeito devolutivo em qualquer sistema, pois devolver ao juízo ad quem o conhecimento de toda matéria impugnada se encontra respaldado no art.515, CPC, ou seja, no recurso de apelação, ou no inominado, oportuniza-se uma releitura do processo que permite novo provimento de mérito no próprio juízo colegiado superior.

O Professor Fidélis, afirma que  efeito devolutivo da apelação importa também em levar à instância recursal o conhecimento de toda a matéria deduzida, sem implicar ofensa ao princípio do duplo grau de jurisdição. Assim, quando o pedido ou a defesa tiver mais de um fundamento e o juiz acolher apenas um deles, a apelação devolverá ao colegiado superior o conhecimento dos demais (§2°, art.515, CPC). [i]

O juiz pode acatar qualquer das matérias, títulos, defesas, sem se referir a outras, mas em grau de recurso, reexaminando a decisão, deverá das outras conhecer e julgá-las, caso altere o entendimento do primeiro grau.

Tratando-se de Juizados Especiais, os critérios da informalidade e da simplicidade exigem redução do ranço do rito ordinário nos feitos de sua competência e assim aconselham as Turmas Recursais que, em recepcionando os fundamentos dos recursos, prolatem novas decisões, contribuindo assim com a celeridade e promovendo a efetividade do processo no segundo grau dos JEs.

Por exemplo, em sendo recepcionado como julgamento extra petita,  descrito em petição de recurso, por ter a sentença do juízo singular condenado em título não requerido, simplesmente, anula-se a sentença pontualmente, apenas no excesso, e não no todo. Pois anulando inteiramente implicará que outra seja prolatada na base, tal postura agride os critério da informalidade, simplicidade e celeridade que precisam ser  absorvidos pelos que laboram em JEs e/ou Turmas Recursais.

Em não sendo o decisum a quo absolutamente incompatível ou incoerente com pedido exordial, apenas excessiva ou omissiva em determinado ponto, em havendo recurso, compete à instância recursal extirpar o excesso ou suprir a omissão, sendo desaconselhável a simples decretação da nulidade integral da sentença com baixa à origem para outra ser proferida. Primeiro porque fere a liberdade do exercício da judicatura; segundo em face de exteriorizar uma aparente subordinação entre as instâncias na seara meritória - o que não é legal; e por derradeiro, por ser verdadeiramente antiproducente e procrastinatório.

Explica o Mestre Amaral Santos que “consiste o efeito devolutivo na transferência, para o juízo ad quem, do ato decisório recorrido a fim de que, reexaminando-o, profira, no limites do recurso interposto, novo julgamento. Trata-se de efeito inerente à natureza do recurso: se este se conceitua como o poder de provocar o reexame de um ato decisório, pela mesma autoridade judiciária ou por outra hierarquicamente superior, visando a obter a sua reforma ou modificação, segue-se que o juízo ao qual se recorre deverá estar armado de condições capazes e suficientes para proferir novo julgamento. Por isso, devolve-se ao juízo para o qual se recorre o conhecimento pleno do material de que se valeu, ou podia ter-se valido, o juiz que proferiu o ato decisório recorrido. E, ainda por isso, a interposição de recurso, qualquer que seja, produz efeito devolutivo.”.[ii]

Define Chiovenda o efeito devolutivo do recurso : “ Efeito devolutivo – com o que se quer exprimir a passagem da causa decidida pelo juiz inferior à plena cognição do juiz superior[iii]

Votando a ótica aos Juizados Especiais, Oreste Nestor de Souza Laspro (citado pelo Prof. Ricardo Cunha Chimenti em Sinopses Jurídicas – Juizados Especiais Cíveis e Criminais, Federais e Estaduais) afirmou que “partindo do pressuposto de que o recurso inominado previsto na Lei dos Juizados Especiais Cíveis é dirigido a um outro órgão, entendemos que efetivamente está garantido o duplo grau de jurisdição, na medida em que este recurso não sofre limitação no que se refere à possibilidade de se pleitear o reexame tanto da matéria de fato como aquela de direito”[iv]

No ensinamento de Ada Pellegrini Grinover, citada por Roberto Portugal Bacellar, o princípio do duplo grau de jurisdição é de índole constitucional na medida em que há possibilidade de revisão, por via recursal, das causas já julgadas pelo juiz singular. Entende que o princípio se satisfaz pelo controle interno exercido por outros órgãos do Poder Judiciário, diversos do órgão a quo. [v]

Esclarece o Professor Bacellar : “no que respeita à hierarquia do órgão revisor, há que se distinguir hierarquia administrativa de hierarquia funcional.

Nos Juizados Especiais, por exemplo, os juízes que integram as turmas recursais são juízes de primeiro grau, portanto, com a mesma hierarquia funcional dos juízes monocráticos de primeira instância. Administrativamente, entretanto, são designados para integrar turmas recursais e nessa qualidade, embora juízes de primeiro grau, poderão, nessa instância, revisar as decisões dos demais magistrados de mesma hierarquia funcional”.[vi]

Observa, ainda, que há nos juizados especiais um reexame da causa em um mesmo grau de jurisdição, ou seja, juízes de direito de primeiro grau, em turma, reexaminando as decisões do juiz singular, e neste raciocínio nos Juizados Especiais, não contemplariam, a princípio o duplo grau de jurisdição. Em verdade esta observação é interessante, porém exige reserva e ponderação, pois há previsão de colegiado donde se destinam os recursos inominados, para onde são devolvidos os méritos dos processos à reexame – ou seja há um Duplo Grau De Jurisdição Especial.

Não há se falar em inconstitucionalidade, a simples inovação trazida compõe o devido processo legal, previamente contido em lei, e atende aos critérios da celeridade, da economia processual, da informalidade, sem prejuízo da possibilidade de reexame irrestrito da matéria por juízo colegiado, assegurando, ao cidadão, o acesso facilitado pela simplicidade do sistema recursal e sua descentralização em diversas regiões do Estado.

Em verdade, o quem tem dificultado, ainda, um maior avanço em moldes de resultados de celeridade e conseqüente efetividade, é o ranço do rito ordinário impregnado em alguns operadores que não absorveram ainda o especial due process of law  do modelo inovador que tem buscado corresponder à facilitação de acesso e saída da justiça  - Os Juizados Especiais.

 

 

 

Bibliografia



[i] SANTOS, Ernane Fidélis dos, Manual de Direito Processual Civil, Ed. Saraiva, V.1;

[ii] SANTOS, Moacyr Amaral, Primeiras Linhas de Direito Processual Civil, Ed. Saraiva, 3° V;

[iii] CHIOVENDA, Giuseppe, Instituições de Direito Processual Civil, Boorseller Editora, V.3;

[iv] SANTOS & CHIMENTI, Marisa Ferreira dos; Ricardo Cunha Chimenti, Juizados Especiais Cíveis e Criminais – Federais e Estaduais, Série Sinopses Jurídicas, Ed. Saraiva, 15 Tomo II;

[v] BACELLAR, Roberto Portugal, Juizados Especiais – A nova mediação paraprocessual, Ed. RT;

[vi] Ob. Cit. – V;

Autor:   Eduardo José de Carvalho Soares – Juiz de Direito

Ver todos os artigos




© 2024. Todos os Direitos Reservados. AMPB - Associação dos Magistrados da Paraíba

Av. João Machado, Nº 553, Centro, Empresarial Plaza Center, 3º andar, Sala 307, João Pessoa - PB, CEP: 58013-520.
Fone/Fax: (83) 3513-2001
Jornalista Responsável: Jaqueline Medeiros - DRT-PB 1253