09/11/2009
EDUCAÇÃO PARA FORMAÇÃO DE JUÍZES-GESTORES: UM NOVO PARADIGMA PARA UM JUDICIÁRIO EM CRISE

1 INTRODUÇÃO

O acesso à Justiça deve ser encarado, na contemporaneidade, como um dos mais importantes Direitos fundamentais, na medida em que é através dessa via que o indivíduo pode cobrar do Estado outros direitos dos quais é titular. Nessa ordem de idéias, o acesso a uma ordem jurídica justa deve estar inserido dentro do núcleo intangível de Direitos Humanos e estar elevado à categoria de direito fundamental e essencial do qual emanam os demais direitos.

Uma releitura do conceito de acesso à Justiça à luz dos Direitos Humanos ensina-nos que esse direito não pode mais ser entendido apenas como a mera possibilidade de propor uma ação em Juízo. Pressupõe, também, a manutenção da demanda em trâmite até a prolação da sentença, que deve ser proferida em prazo razoável e efetivada na prática.

O Judiciário é a ponte que liga o indivíduo à Justiça. É instituição central à democracia brasileira, quer no que se refere a sua expressão propriamente política, quer no que diz respeito a sua intervenção no âmbito social . Quanto mais estável for esta ponte, mais forte será o Estado Democrático de Direito.

Ainda hoje a Bósnia, a antiga Iugoslávia, Ruanda, Zaire, Afeganistão ou Darfur demonstram que o Judiciário está passível de anulação como instrumento de garantia de direitos mínimos aos habitantes da Terra, principalmente, se não estiver fincado em bases estáveis.

O Judiciário se fortalece na medida em que consegue cumprir o seu papel de ser instrumento viabilizador do acesso à Justiça e pacificador dos conflitos sociais. Não pode, pois, reduzir-se a uma mera proclamação formal de direitos sem que se verifiquem as condições materiais para o seu exercício efetivo .

A Era dos direitos trouxe consigo a ampliação da cidadania, ou seja, "do direito a ter direitos ", e isso aumentou a busca pelo Judiciário, que até hoje não conseguiu se preparar adequadamente para fazer face aos anseios dos jurisdicionados. O fato de não ter conseguido acompanhar a demanda da sociedade gerou uma crise nesse poder, consubstanciada, principalmente, na morosidade na entrega da prestação jurisdicional.

O juiz precisa, paralelamente ao desempenho de suas funções jurisdicionais, assumir a função de administrador da unidade judiciária.

Defendemos, pois, que o Judiciário brasileiro, através das Escolas da Magistratura, forme juízes-gestores, usando processo educativo pertinente, que os torne capaz de administrar suas unidades judiciárias de maneira criativa, e de superar os problemas existentes de forma eficiente e eficaz.

2 A CRISE COMO FATOR DE MOTIVAÇÃO PARA APERFEIÇOAMENTO DO JUDICIÁRIO

Se de um lado não se pode negar que o Judiciário está em crise, de outro a história desse poder no Brasil justifica essa crise, na medida em que nos mostra que o Judiciário passou de coadjuvante a protagonista do processo de democratização social que aconteceu logo após a promulgação da Constituição Federal de 1988. Ressalte-se que

[...] o Poder Judiciário, enquanto instituição, não foi diretamente envolvido no processo da transição, permanecendo como árbitro do contrato básico que persistia na sociedade brasileira de então, distanciado da cena política. Todavia, essa distância do Judiciário em relação à travessia política do autoritarismo para a democracia é quebrada no momento seguinte, quando a ordem democrática se consolida. De mero coadjuvante, o Judiciário passa a ser mobilizado para uma posição de protagonista ativo, instado por um poderoso processo de democratização. [...] o Judiciário foi surpreendido no papel político de árbitro do equilíbrio entre os Poderes, assim como destes em relação à sociedade. [...] O Judiciário de hoje - e nesse contexto o próprio magistrado - vive, uma contradição, posto que não foi obrigado a construir a sua identidade nos difíceis trâmites da transição e inesperadamente vê-se alçado a essa posição estratégica de árbitro efetivo entre os outros dois Poderes e responsável, num certo sentido, pela inscrição na esfera pública dos novos atores trazidos pelo processo de democratização .

A verdade é que, atualmente, a sociedade procura no juiz um mega assistente social, porque outras instituições, notadamente o Estado, estão desertando das relações sociais. O fenômeno novo do acesso à Justiça coloca o cidadão a defender os seus direitos civis, os direitos sociais, procurando cada vez mais o Judiciário, justamente por falta do Estado e de outras instituições .

A despeito da crise, contudo, o Judiciário segue o curso da história afirmando-se como poder necessário para existência do Estado Democrático de Direito e garantidor do exercício da cidadania.

Hannah Arendt ensina-nos que é através da ação, desempenhada no espaço público, que podemos mudar as coisas. Segundo ela, "o fato de que o homem é capaz de agir significa que se pode esperar dele o inesperado, que ele é capaz de realizar o infinitamente improvável" . Os juízes devem agir buscando mudanças positivas para o Judiciário.

A crise não precisa ser algo negativo, ao contrário, deve ser vista como um processo que servirá de motivação para busca de um Judiciário melhor. Acredito que a referida crise deve ter a conotação que lhe deu Albert Einstein quando afirmou:

[...] A crise é a melhor benção que pode ocorrer com as pessoas e países, porque a crise traz progressos. A criatividade nasce da angústia, como o dia nasce da noite escura. É na crise que nascem as invenções, os descobrimentos e as grandes estratégias. Quem supera a crise, supera a si mesmo sem ficar "superado". Quem atribui à crise seus fracassos e penúrias, violenta seu próprio talento e respeita mais aos problemas do que às soluções. A verdadeira crise, é a crise da incompetência. O inconveniente das pessoas e dos países é a esperança de encontrar as saídas e soluções fáceis. Sem crise não há desafios, sem desafios, a vida é uma rotina, uma lenta agonia. Sem crise não há mérito. É na crise que se aflora o melhor de cada um. Falar de crise é promovê-la, e calar-se sobre ela é exaltar o conformismo. Em vez disso, trabalhemos duro. Acabemos de uma vez com a única crise ameaçadora, que é a tragédia de não querer lutar para superá-la.

Apropriemo-nos dessa visão otimista da crise para superá-la logo, porque ela afeta não só a legitimidade do Poder Judiciário para o exercício de sua função soberana, como também afeta a economia do país. Isso, porque a atividade produtiva de uma nação se embasa na consistência e na credibilidade das instituições, criadas e mantidas com o escopo de fazer nascer um ambiente seguro para os diversos relacionamentos sociais, através da elaboração e da preservação de regras de convivência. A lentidão do Judiciário, a demora em exercer suas atividades típicas, acaba por mitigar o contexto estável necessário para o aprimoramento das relações comerciais e financeiras indispensáveis ao crescimento econômico .

Ter conhecimento das causas que motivam a crise do Judiciário é passo imprescindível para a busca de soluções rápidas e não superficiais para a superação do problema. Tais causas resumem-se a duas: a morosidade e a falta de acesso à Justiça. As pesquisas revelam que o Judiciário não tem conseguido cumprir a missão que lhe é atribuída de ser instrumento de acesso à justiça e meio efetivo de entrega da prestação jurisdicional em prazo razoável. A Emenda Constitucional nº 45 não trouxe a reforma estrutural necessária à transformação do Judiciário em serviço público célere, eficiente e efetivo pelo qual clama a sociedade.

A resolução da problemática que afeta o Judiciário encontra guarida na questão da gestão judicial.

Segundo BOTTINI , a gestão da Justiça é feita em três níveis: o governo judicial, a gestão judicial e a gestão de cartórios. Na primeira camada, estão os órgãos responsáveis pelo planejamento estratégico da implementação de políticas judiciais, que fixam normas genéricas para a atividade administrativa do Judiciário, entre eles o Conselho Nacional de Justiça. Na segunda camada encontram-se os órgãos responsáveis pela elaboração das propostas orçamentárias e pela execução dos orçamentos nas diversas unidades judiciais. Como exemplo, podemos citar os tribunais de justiça do país. A última camada da administração da Justiça é a gestão de cartórios. Esta é de domínio do juiz e diz respeito à organização da tramitação cotidiana dos processos e procedimentos realizados na unidade judiciária.

Uma análise dos três eixos mencionados revela que, através da gestão judicial o magistrado pode agir para vencer os problemas afetos à lentidão de processos e referentes ao acesso à Justiça, colocando em prática conhecimentos de gestão para a qualidade total dos serviços judiciários.

3 MUDANÇA DE PARADIGMA: TRANSFORMAÇÃO DO JUIZ-JUIZ EM JUIZ-GESTOR

Como asseverou o Ministro Gilmar Mendes, em um dos seus discursos, "o juiz brasileiro tem que ser um gestor. Quem administra uma Vara é um administrador e deve assumir responsabilidade" . O Judiciário precisa de juízes que mudem a realidade existente a partir das ferramentas que têm à disposição deles, sem esperar que a solução parta da cúpula do poder judiciário ou de outros poderes.

O primeiro passo a ser dado é no sentido da mudança de mentalidade do juiz, para que ele possa ousar, utilizando, sobretudo, a criatividade no âmbito em que trabalha, vislumbrando o processo sob o ângulo dos "consumidores" da prestação jurisdicional.

Como se dará essa mudança de mentalidade? A educação é a resposta. Através da educação voltada para conhecimentos de gestão, o magistrado poderá saber da existência de métodos e técnicas facilitadoras do exercício da função de juiz-administrador. A transformação do juiz-juiz em juiz-gestor encontra amparo em conceitos e ensinamentos advindos da ciência da Administração.

E, como gestor, o juiz é capaz de desenvolver as atividades de gestão judicial e de gestão de cartórios. Prova disso são as diversas práticas celebradas nos diversos cantos do país, onde juízes conseguiram, de forma criativa, superar deficits existentes em suas unidades judiciárias.

Propomos, como já fez NALINI outrora, que "a chave da transformação é a gestão pela qualidade total na administração da Justiça". O juiz deve usar as armas de que dispõe para enfrentar os obstáculos ao acesso à Justiça, entre eles a morosidade, sem contar com a atuação e ajuda de fatores externos. E quando se fala em acesso à justiça, referimo-nos à tríade: propor ação em juízo; mantê-la até o final; receber resposta célere e efetiva do Judiciário. É indubitável que o Judiciário precisa de reformas processuais, que diminuam a burocracia existente nas leis, e de reformas estruturais que melhorem a organização judiciária e aumentem o número de juízes, insuficiente para julgar tantas causas.

Nenhuma serventia resultará de reforma processual alguma, por mais brilhante tecnicamente que seja, por mais astutos, preparados e dignos seus idealizadores e coordenadores, se o sistema brasileiro continuar admitindo que um juiz tenha sob sua responsabilidade uma média de feitos em muito superior ao milhar; ou que o Poder Judiciário sobreviva com um número mínimo de tribunais, muitas vezes situados a milhares de quilômetros de distância dos jurisdicionados, constituídos por um número mais reduzido ainda de juízes . Essas ações, certamente, contribuiriam para a celeridade na entrega da prestação jurisdicional. Mas, os juízes não precisam esperar que essas mudanças cheguem para começar a agir por conta própria. O juiz não pode se limitar a esperar pelas modificações na esfera legiferante ou na esfera administrativa dos tribunais. Estas, em regra, chegam a destempo, e o acesso à justiça é caso de urgência.

Os entraves burocráticos não podem ser usados como desculpa para entrega ineficaz e ineficiente da prestação jurisdicional. O juiz pode, a despeito de suas limitações pessoais, dos defeitos de estrutura, da má produção da lei processual, tornar a justiça mais eficiente. Para que isso ocorra, entretanto, ele deve se livrar da roupagem arcaica acaso existente, e ter em si a vontade de mudar o presente status quo atuando dentro de suas limitações, no espaço que o sistema lhe reservou para atuar.
A ação do juiz voltada para melhoria do acesso à Justiça, a partir do paradigma da gestão para a qualidade total, produz reação e como diz Hannah Arendt :

[...] o ator nunca é simples agente, mas também, e ao mesmo tempo, paciente. Agir e padecer são como faces opostas da mesma moeda, e a história iniciada por uma ação compõe-se de seus feitos e dos sofrimentos deles decorrentes. Estas conseqüências são ilimitadas porque a ação, embora possa provir do nada, por assim dizer, atua sobre um meio no qual toda a reação se converte em reação em cadeia, e todo processo é causa de novos processos. Como a ação sobre seres que também são capazes de agir, a reação, além de ser uma resposta, é sempre uma nova ação com poder próprio de atingir e afetar os outros [...].

Urge que se supere a "visão tradicional" da magistratura, forçando o juiz a repensar o seu papel dentro da nova sociedade contemporânea. Quando se reflete sobre a necessidade de um novo juiz, é porque se tem em conta que o juiz de hoje não mais pode estar identificado com o juiz de ontem, ou seja, diante de uma nova sociedade, com inéditas demandas e necessidades, o novo juiz é aquele que está em sintonia com a nova conformação social e preparado para responder, com eficiência e criatividade, às expectativas da sociedade moderna, tendo em consideração as promessas do direito emergente e as exigências de uma administração judiciária compromissada com a qualidade total. Esse juiz, que é impactado pelas profundas deficiências da prestação de serviços estatais, os quais não conseguem fazer frente às necessidades sociais básicas. Assim, o novo juiz, a par de sua formação técnico-jurídica, desfruta de uma formação interdisciplinar que lhe permite ir além, conhecendo a realidade social, econômica e mesmo psicológica envolvida na lide em julgamento. Portanto, a interdisciplinaridade é característica marcante do novo juiz.

Essa mudança de mentalidade concretizar-se-á através da substituição "do estar adstrito ao processo" pela busca da excelência nos serviços prestados pelo Poder Judiciário. Desse modo, o juiz-juiz passará a ser o juiz-gestor, com visão além do processo. Isso viria com a consciência de que o juiz não pode ficar adstrito às paredes de seu gabinete, apenas sentenciando e despachando processos e achar que com isso cumpriu seu mister. Cada juiz, resguardando sua imparcialidade, deve ter compromisso com a racionalização dos serviços judiciários, com o atendimento ao público e aos advogados, com o estreitamento comunicativo com os demais órgãos públicos, entidades de classe e com outras esferas da sociedade civil organizada. Deve ter responsabilidade social.

A interdisciplinaridade é marcante na otimização dos serviços prestados pelo Judiciário, na medida em que a impositiva aliança entre o Direito e a ciência da Administração empresta valioso subsídio à revisão e à modernização dos métodos de gerenciamento do serviço judiciário, nem sempre aptos à entrega dos resultados práticos exigíveis pelos jurisdicionados. A ciência da Administração dotará os magistrados de conhecimentos sobre mecanismos que podem ser usados no Judiciário para entrega eficiente e eficaz da prestação jurisdicional, tais como: ferramentas P. D. C. A ., 5W2H e 5S ; inteligência de negócios, entre outros.

Falamos de um gerenciamento que não precisa necessariamente vir da Cúpula, mas que pode ser iniciado pelo próprio juiz "a quo", dentro do espaço que lhe cabe atuar. Não propomos a transformação do Poder Judiciário em uma grande empresa, mas a adoção das experiências positivas que a atividade empresarial pode fornecer para ampliar a qualidade dos serviços prestados pelo Poder Judiciário.

4 CONHECENDO A GESTÃO JUDICIÁRIA

Frise-se que gestão Judiciária é um conjunto de tarefas que procuram garantir a afetação eficaz de todos os recursos disponibilizados pelo Poder Judiciário com o escopo de se alcançar uma entrega da prestação jurisdicional excelente. A gestão otimiza o funcionamento da unidade judiciária através da tomada de decisões racionais fundamentadas pelo gestor como forma de caminhar para o desenvolvimento e satisfação das necessidades dos jurisdicionados.

Nesse diapasão, gestor judiciário é, ab initio, o juiz, a quem compete colocar em prática o objetivo maior do Poder Judiciário que é a entrega da prestação jurisdicional, em prazo razoável e de forma efetiva. O que se torna possível através de planos estratégicos e operacionais mais eficazes para atingir os objetivos propostos; através da concepção de estruturas e estabelecimento de regras, políticas e procedimentais mais adequadas aos planos desenvolvidos; implementação, coordenação e execução dos planos mediante de um determinado tipo de comando e de controle.

Como bem afirmou Sidnei Agostinho Beneti:

O juiz deve ser encarado como um gerente de empresa, de um estabelecimento. Tem sua linha de produção e o produto final, que é a prestação jurisdicional. Tem de terminar o processo, entregar a sentença e a execução. Como profissional de produção, é imprescindível mantenha ponto de vista gerencial, aspecto da atividade judicial que tem sido abandonado. É falsa a separação estanque entre as funções de julgar e de dirigir o processo - que implica orientação ao cartório. (...) Como um gerente, o juiz tem seus instrumentos, assim como um fabricante os seus recursos. São o pessoal do cartório, as máquinas de que dispõe, os impressos. É o lugar em que trabalha; são os carimbos, as cadeiras, o espaço da sala de audiências e de seu gabinete; são a própria caneta, a máquina de escrever, o fluxo de organização dos serviços e algumas coisas imateriais .

Essa gestão deve ser voltada para a qualidade total, o que pode ser alcançado a partir do envolvimento de todas as pessoas ligadas ao processo produtivo visando à excelência no serviço prestado pelo Poder Judiciário.

5 A ERA DO SABER: EDUCAÇÃO PARA MUDANÇA DE MENTALIDADE

Para que o juiz adquira consciência e técnicas, com vistas a alcançar as mudanças anteriormente mencionadas, faz-se necessário ter acesso a uma educação voltada para a gestão.

A educação desperta a capacidade de expansão da autonomia individual. Uma cultura voltada para a gestão jurisdicional é aquela capaz de incentivar o juiz, em processo de formação educacional, a pensar no processo jurídico e de gestão por si próprio, através do incentivo ao desenvolvimento de habilidades e competência que o aparelhe a tomar medidas para a qualidade total na entrega da prestação jurisdicional .

Educar só tem sentido enquanto preparação para o desafio. Uma educação que não seja desafiadora, que não se proponha a formar iniciativas, que não prepare para a mobilização, que não instrumente a mudança, que não seja emancipatória, é mera fábrica de repetição de formas de ação já conhecidas .

As Escolas da Magistratura desempenham importante papel na formação do magistrado. Formação esta que inclui não somente o aprimoramento intelectual dos juizes, mas a transformação deles em núcleos pensantes capazes de produzir propostas e soluções para o desenvolvimento de todo o sistema judicial. BOTTINI assevera que

A formação de profissionais conscientes dos problemas concretos que afetam o sistema e capazes de refletir sobre as alternativas para sua superação deve ser uma prioridade. Mais do que um técnico com atribuições de aplicar as normas aos casos concretos, o magistrado é um agente de Estado, responsável por administrar a distribuição de Justiça de maneira coerente e racional. Logo, é dever das instituições responsáveis pela formação e pelo aprimoramento intelectual dos juízes formar núcleos pensantes que produzam propostas e soluções para o desenvolvimento de todo o sistema judicial, contribuindo, desta forma, para a construção de um novo modelo mais eficiente e mais acessível a toda a população.

FOUCAULT aduz que "todo o sistema de educação é uma maneira política de manter ou de modificar a apropriação dos discursos, com os saberes e os poderes que estes trazem consigo" .

As Escolas da Magistratura devem se apropriar do discurso voltado para a gestão jurisdicional e usá-lo para incutir na mente do juiz esse papel que ele precisa desempenhar na condução da unidade judiciária, onde a atividade administrativa é indispensável à realização da Justiça.

5 AS ESCOLAS DA MAGISTRATURA COMO COADJUVANTES NO PROCESSO DE FORMAÇÃO DO JUIZ-GESTOR

Partindo da assertiva de que, na atualidade, a função de juiz pressupõe também a função de administrador e que a educação é um ato de formação de consciência, a transformação do juiz-juiz em juiz-gestor realizar-se-ia através da participação em cursos de gestão jurisdicional a serem ministrados pelas Escolas da Magistratura.

O juiz-gestor é aquele magistrado que administra sua unidade judiciária com visão de administrador, utilizando métodos que vão desde a economia de material até o desenvolvimento de técnicas que acelerem a entrega da prestação jurisdicional. É o juiz que não se restringe a sentenciar e despachar processos e usa a criatividade para superar os problemas existentes na vara.

O próprio CNJ já sentiu a necessidade de o Judiciário se adequar a padrões de gestão ao instituir a Resolução n. 70/2009, que dispõe sobre o planejamento e a gestão estratégica no âmbito do Poder Judiciário.

Os objetivos de números 11 e 12 da referida Resolução, pertinente à gestão de pessoas, têm como foco, respectivamente, "desenvolver conhecimento, habilidades e atitudes dos magistrados e servidores" e "motivar e comprometer magistrados e servidores com a execução da Estratégia". Entendemos que o êxito no cumprimento desses objetivos só é possível através da educação voltada para a gestão.

Os cursos de gestão jurisdicional devem ser ministrados pelas Escolas da Magistratura, sob coordenação/orientação da ENFAM - Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados, de forma padronizada e de caráter obrigatório para todos os magistrados na ativa. Obrigatoriedade essa decorrente do próprio fim a que o curso se destina: de ser meio de mudança de mentalidade.

Os cursos devem, outrossim, ser contabilizados para os fins de promoção por merecimento, e uma das disciplinas a ser ministrada deve ser a de Boas Práticas de Gestão para que os juízes apliquem em suas varas as práticas que forem compatíveis com o seu ambiente de trabalho.

O que mudaria com a transformação do juiz-juiz em juiz-gestor? De posse do conhecimento das técnicas advindas da ciência da Administração, o juiz passaria a estabelecer metas de trabalho para cumpri-las. Preocupar-se-ia mais com a busca da excelência nos serviços prestados, na racionalização de material, no modo como o público e os advogados são atendidos em sua unidade judiciária. Essa mudança também traria benefícios para a temática da celeridade processual, como resultado normal do processo de gestão.

6 CONSIDERAÇÕES FINAIS


O Judiciário brasileiro ainda não está construído. Vem se construindo a cada dia. A cada nova ação tenta superar a crise da morosidade e das limitações do acesso à Justiça, com vistas a suprir os anseios da sociedade. É um poder que se tornou tão necessário, por causa da sua função de garantidor dos direitos dos indivíduos, que não conseguiu acompanhar a demanda dos jurisdicionados, com a velocidade necessária aos novos tempos.

Não existe uma única solução capaz de sanar o problema da crise do Judiciário. Podemos dizer que existe um conjunto de soluções que trarão melhorias concretas para a Justiça. Entre elas, apontamos uma imprescindível: a educação voltada para a formação de juízes-gestores. Papel a ser desempenhado pelas Escolas da Magistratura.

Educado para acompanhar as mudanças trazidas pelos novos tempos, o juiz será capaz de, ele mesmo, empreender diligências para resolver os problemas de sua unidade judiciária. O contato com a ciência da Administração é capaz de tornar o juiz criativo e capacitado a colocar métodos de racionalização de atividades em prática; elaborar técnicas para agilização dos despachos e conseqüente redução do tempo de entrega da prestação jurisdicional.

A educação voltada para a gestão é uma solução de base para o Judiciário. É como se, ao invés de "dar o peixe se ensinasse a pescar", para que, de posse desse novo ofício - o de juiz-gestor - o magistrado possa contribuir para o acesso à Justiça e para a celeridade na entrega da prestação jurisdicional.

Seguindo raciocínio lógico, temos que o acesso a uma ordem jurídica justa é alcançado a partir da interdisciplinaridade e da gestão judiciária na busca pela qualidade total. Só assim é possível ao Judiciário alcançar a celeridade processual, sem que haja necessidade da interferência de fatores externos. A gestão é apta a transformar o juiz-juiz em juiz-gestor, o que fará com que o Judiciário passe a ousar e a centrar-se em tudo aquilo que pode fazer por iniciativa de seus integrantes. Algo que pode ocorrer se trocar formalidade por criatividade e dificuldade por capacidade de iniciativa.

O Judiciário deve caminhar para a aceitação de que a interdisciplinaridade e a gestão jurisdicional são medidas indispensáveis ao acesso à justiça e à celeridade na prestação jurisdicional.

Chega-se à ilação, pois, de que a educação de magistrados voltada para a gestão administrativo-jurisdicional é imprescindível na construção do juiz-gestor, munindo-o de habilidades administrativas a serem usadas como parâmetros para desempenho de suas funções na unidade judiciária. Funções estas voltadas para a excelência na entrega da prestação jurisdicional e atingimento das metas previstas na Resolução nº 70/2009, CNJ.

A despeito de toda a problemática que acomete o Judiciário, o tempo tem mostrado que a história tem se curvado na direção da justiça. A idéia de que a justiça é possível, que a brutalidade será punida e que o Judiciário é capaz de proteger os brasileiros de ameaças ou violações de direitos, cria esperança e promove a confiança nas instituições públicas.

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Autor:   Juíza Higyna Josita Simões

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