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Justiça ou privilégios?


A Folha de S.Paulo desta segunda-feira, 17 de abril, publicou artigo do presidente da Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB), juiz Rodrigo Collaço, sobre o julgamento da reclamação nº 2.138, proposta para anular decisão que condenou, em 1992, o então ministro Ronaldo Sardenberg à suspensão de seus direitos políticos por oito anos.

No artigo, Collaço ressalta que o acolhimento da ação pelo Supremo Tribunal Federal (STF) poderá levar ao cancelamento de mais de dez mil ações instauradas por improbidade administrativa contra agentes políticos.

Leia abaixo o artigo na íntegra.

Justiça ou privilégios?
Rodrigo Collaço

Distribuir justiça ou administrar privilégios? O dilema está posto ao STF (Supremo Tribunal Federal) e ameaça devorar um dos princípios mais importantes da República: a igualdade de todos os cidadãos perante a lei.

Trata-se do julgamento da reclamação nº 2.138, proposta para anular decisão que condenou, em 1992, o então ministro de Assuntos Estratégicos da Presidência da República, Ronaldo Sardenberg, à suspensão de seus direitos políticos por oito anos por ter utilizado jatinhos da FAB para fazer turismo na paradisíaca ilha de Fernando de Noronha.

Mais do que isso, uma decisão definitivamente favorável a essa ação, iniciada em 2002, significará um grave retrocesso. Levará ao cancelamento de mais de 10 mil ações e inquéritos abertos contra autoridades públicas acusadas de improbidade administrativa no país inteiro. Ou seja, vai-se cassar um direito que a cidadania já começou a exercer.

Isso porque, pela interpretação atual de seis ministros do Supremo que já votaram revogando a pena imposta ao ex-ministro de Assuntos Estratégicos, agentes políticos não são alcançados pela lei de improbidade administrativa.

Para esses ministros, tais agentes podem, tão-somente, ser julgados por crimes de responsabilidade.

A única voz dissonante até o momento é a do já aposentado ministro Carlos Velloso. Em dezembro de 2005, quando a reclamação voltou a ser julgada pelo plenário do Supremo, ele foi taxativo: "Isentar os agentes políticos da ação de improbidade administrativa seria um desastre para a administração pública".

Como sabiamente calculou Velloso, o meio mais eficiente para eliminar a corrupção na administração pública no Brasil, hoje, é dar máxima eficácia à Lei de Improbidade Administrativa (lei nº 8.429, de 1992). Aniquilar a jovem lei, portanto, é o que está em jogo nesse histórico julgamento.

Limitar o alcance de ações de improbidade contra autoridades, como acena o plenário do STF até aqui, significa impedir que autoridades como ministros de Estado e o presidente da República sejam fiscalizados por procuradores na primeira instância da Justiça. Ocasionará, ainda, a paralisação de centenas de julgamentos sobre improbidade. E, não menos grave, permitirá que administradores ímpobros já condenados possam pedir a restituição de valores que judicialmente foram obrigados a ressarcir aos cofres públicos. Isso por terem sido condenados por autoridade judicial incompetente.

Pela aritmética convencional -uma vez que o Supremo é composto por apenas 11 ministros-, o assunto estaria liquidado. Mas esse não é o caso, já que o julgamento não foi concluído, mas apenas interrompido, e está aberto graças a um pedido de vista do ministro Joaquim Barbosa.

Com ampla experiência como integrante do Ministério Público Federal, onde atuava antes de ser chamado a ocupar uma cadeira na Suprema Corte, Joaquim Barbosa sem duvida usará sua experiência para alertar o Supremo sobre os efeitos do julgamento. Às vezes, uma palavra, um testemunho, uma experiência produz alterações profundas em julgamentos colegiados. Nunca se deve esquecer de que os juízes são humildes. Praticam freqüentemente a sabedoria de, mesmo já tendo proferido solenemente seus votos, alterá-los em razão de argumentos surgidos, enquanto ainda é tempo de utilizá-los.

Baseada nessa esperança e angustiada pelos efeitos de uma sentença iníqua, a AMB (Associação dos Magistrados Brasileiros) se uniu à Conamp (Associação Nacional dos Membros do Ministério Público) e a outras entidades de representação de juízes e promotores para alertar a sociedade.

É uma pena que a palavra "entulho" -que ficou tanto na moda quando se fazia a faxina social e política do autoritarismo do regime militar- tenha caído em desuso. Mas o simples reconhecimento de privilégio aos que exercem suas funções no patamar mais alto do serviço público é um perfeito entulho de uma mentalidade feudal, aristocrática, que prevaleceu no Brasil apesar do fim do império.

Cidadãos são cidadãos, iguais entre si onde quer que estejam, mesmo exercendo responsabilidades diversas, pois o que se altera é apenas a atividade e suas particularidades, jamais a submissão aos dispositivos legais a que estão sujeitos. Quem desafia a lei, qualquer lei, em qualquer patamar do serviço público ou da vida civil, não deve ser protegido por nenhum privilégio processual. Uma questão de princípios, que, por vivermos em verdadeira democracia, é um axioma.

Sufoca-se uma forma saudável de indignação cívica com abusos do serviço público; fecha-se um extraordinário canal de contenção dos abusos de poder e do uso de bens e vantagens do Estado em benefício pessoal; cria-se um obstáculo à rotineira vigilância da sociedade sobre a burocracia estatal.

Esse julgamento do STF precisa ser observado e acompanhado pela sociedade. Seria profundamente negativo se o crescente aprimoramento da Justiça para atender os clamores dos cidadãos sofresse essa perigosa freada.

Rodrigo Collaço, 43, juiz estadual, é presidente da AMB (Associação dos Magistrados Brasileiros).

FONTE: Assessoria de Imprensa AMB
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Assessora de Imprensa - Jaqueline Medeiros

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