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Sem castigo - Ministério Público Federal não pune ninguém em dez anos


Revista Consultor Jurídico, 2 de dezembro de 2003.





"Em 10 anos, nunca se fez a mínima sanção no
Ministério Público Federal, reservada ou por escrito".
A revelação é do novo corregedor-geral do Ministério
Público Federal, o subprocurador-geral da República
Wagner Gonçalves.



Ele acrescenta: "Isto não é culpa, esclareça-se, dos
corregedores que me antecederam ou do Conselho
Superior, mas da própria estrutura da parte
correicional prevista na Lei Orgânica". A entrevista
com o novo corregedor-geral foi publicada no Jornal da
ANPR.



Nomeado recentemente, Gonçalves pretende utilizar os
próximos dois anos no cargo para reformular a
legislação referente aos poderes da corregedoria,
ampliando a possibilidade de atuação preventiva. O
importante, de acordo com ele, é assegurar a rapidez e
a eficiência do processo investigatório.



Leia a entrevista:



Qual a função da Corregedoria, na sua visão, dentro do
Ministério Público Federal?



Wagner Gonçalves: A Corregedoria tem duas funções
primordiais: a preventiva e de orientação, em primeiro
lugar; e, em segundo, a função propriamente
correicional, decorrente da apuração das faltas
disciplinares.



Como o senhor pretende implementar essa função
preventiva?



Gonçalves: Para responder a essa pergunta, deve-se ter
a coragem de reconhecer que, diante da Lei
Complementar nº 75/93, a Corregedoria é praticamente
inviável.



Por quê?



Gonçalves: Porque o corregedor sequer pode fazer uma
recomendação ou mesmo qualquer advertência. Tudo
depende de sindicância, inquérito, processo
administrativo e de processo junto Conselho Superior,
para, só depois, sair, por exemplo, uma advertência
reservada ou por escrito. Fiz um levantamento e mais
de 80% dos inquéritos são arquivados em decorrência da
prescrição. Nós vamos precisar mudar essa legislação.
O corregedor deve ter uma autonomia maior para que
possa fazer uma atuação preventiva, com regras claras
e precisas; para que possa recomendar, e,
eventualmente, diante de casos mais graves e urgentes,
até aplicar uma pena com recurso para o Conselho. Isso
existe nos Ministérios Públicos Estaduais e não existe
no Ministério Público Federal.



A primeira medida vai ser passar por uma reformulação?



Gonçalves: Vai ser preciso, necessariamente, mudar a
legislação. E, na realidade, você precisa ter um
arcabouço de possibilidades para que possa agir
preventivamente. Com dez anos da lei, é a completa
falência do sistema correcional no Ministério Público
Federal. Em 10 anos, nunca se fez a mínima sanção no
Ministério Público federal, reservada ou por escrito.
E isto não é culpa, esclareça-se, dos corregedores que
me antecederam ou do Conselho Superior, mas da própria
estrutura da parte correicional prevista na Lei
Orgânica.



A primeira medida do senhor é lutar por essa mudança
na legislação?



Gonçalves: Não, a primeira medida é fazer um
diagnóstico com base no acervo de informações que
solicitamos. Vou apurar os processos que estão
parados, o acúmulo em determinadas áreas, as razões
pelas quais isso está ocorrendo, as carências,
dificuldades, etc Vou fazer uma radiografia e
apresentar ao Conselho Superior e ao Procurador-Geral,
para que se tenham condições, inclusive, de definir
prioridades. Penso que será possível também, quanto ao
processo correicional, pular etapas, desde que seja
assegurado o contraditório e a ampla defesa.



Esse diagnóstico é uma tentativa de localizar
os "gargalos"?



Gonçalves: Saber onde estão as dificuldades, os
entraves. Apurar os casos absurdos, constatar as
distorções, os equívocos. Se há Procuradores ou
colegas com mais de mil processos e/ou procedimentos,
algo está errado. Pretendo colaborar para uniformizar
as estatísticas. Hoje, cada Procuradoria tem uma
estatística, elas se chocam e acabam não sendo
confiáveis, porque os critérios são diferentes.



E dessa maneira vai ser possível localizar exatamente
onde há necessidade de mais procuradores?



Gonçalves: Sim. Isso vai, inclusive, subsidiar a
tomada de decisão do próprio Conselho Superior em
relação à lotação de novos procuradores. Além disso,
esse diagnóstico servirá para que possamos estabelecer
métodos de atuação. Vou saber onde devem ser feitas as
correições, onde devem ser feitas as visitas, onde
existem maiores carências, etc. Depois de levantar
esse panorama todo, acho que necessariamente nós vamos
ter que partir para mudança da legislação, como antes
mencionado. Devo trabalhar para ter esse quadro
processado e até o final do ano ou logo nos primeiros
meses do ano de 2004.



A meta depois será alterar a legislação para permitir
que a Corregedoria faça ações preventivas?



Gonçalves: Para que a Corregedoria tenha mais
autonomia e tenha meios de atuar preventivamente; para
que possa fazer uma recomendação, sugerir alterações.
Está na hora de estabelecer regramentos para o
inquérito civil público, de discutir também o
regramento do procedimento administrativo
investigatório, de estabelecer parâmetros para o
andamento desse procedimento: dar vista ao advogado ou
não dar vista? Ele é sigiloso ou não? Dá-se vista ao
investigado, após toda a apuração? Em que situações o
sigilo se impõe? Nosso procedimento administrativo
investigatório pode ser inquisitorial? Todas essas
questões refletem-se nas várias representações que
demandam à Corregedoria.



O senhor quer alterar a legislação para que se possa,
antes da sindicância, fazer uma recomendação ao
procurador.



Gonçalves: Não se pode falar em recomendação fora de
um procedimento, seja sindicância ou não. Contudo, se
eu faço uma correição num gabinete e detecto que ali
têm processos de 1998 enquanto o Procurador está dando
preferência aos processos de 2003, por exemplo, possa
fazer uma recomendação para que ele inverta das
prioridades.



Como fica a atuação preventiva em conjunto com o
trabalho do Conselho Superior?



Gonçalves: A Corregedoria não existe se não tiver o
apoio do Conselho. É impossível ela existir, na
prática, sem esse apoio. Principalmente hoje, porque,
como tudo depende da decisão do conselho, tudo que o
corregedor fizer, se não tiver referido apoio ou não
for aceito pelo Conselho, o resultado será nenhum.
Dando mais autonomia à Corregedoria, quanto à
possibilidade de recomendar e até, nos casos urgentes,
aplicar uma penalidade, com recurso para o Conselho,
será possível melhor exercer um trabalho preventivo e
fazer uma interface mais rápida com o Conselho. Há uma
proposta de regimento interno feita pela Dra. Gilda de
Carvalho, uma proposta boa para o padrão de legislação
que nós temos hoje. Mas, por defender mudanças, creio
que o Regimento Interno terá de já estar adequado com
essas mudanças.



O que o senhor pretende fazer para dinamizar a
fiscalização dos procuradores que estão em estágio
probatório?



Gonçalves: Para fazer isso, vamos precisar de
corregedores auxiliares - e essa é uma proposta nossa
também. Além de recebermos as peças bimestralmente,
que os procuradores mandam, dinamizar referido
acompanhamento demanda visitas à quase totalidade dos
Procuradores em estágio probatório; pelo menos uma
visita, inclusive àqueles que atuam nas Procuradorias
do interior.

O senhor mencionou o objetivo de ter um corregedor
auxiliar, pelo menos, em cada uma das regiões. Mesmo
assim não é pouco?

Gonçalves: É pouco. Ainda é uma coisa limitada. Mas,
como hoje só há um corregedor-geral, já ajuda. Para se
ter uma noção, só o estado de São Paulo tem um
corregedor com 11 promotores auxiliares, trabalhando
em exclusividade. Outra coisa também que queremos
implantar é um acompanhamento das atividades de cada
Procuradoria. Para isso, nós vamos ter que criar um
programa no qual, de dois em dois meses, o procurador-
chefe e/ou cada Procurador alimente um sistema. Isso
servirá inclusive como fonte de estatísticas do
andamento de processos e procedimentos no âmbito do
Ministério Público Federal.

O senhor não teme resistência? Porque isso seria um
mecanismo de prestação de contas e de controle. O
senhor não acha que alguns procuradores podem se
sentir ameaçados em termos de autonomia e
independência?

Gonçalves: Isso pode ocorrer. A verdade é que nós
precisamos diagnosticar o que é a Instituição e como
ela funciona. O objetivo não é ficar repreendendo ou
ficar perseguindo, mas conhecermos nossa realidade,
que não conhecemos. E essa realidade é dinâmica, ela
pode estar com uma face hoje e outra amanhã. Vai haver
resistência, eu sei, mas espero e confio que os
colegas entendam que, para a Corregedoria funcionar e
ter uma atuação preventiva, ela tem que ter mecanismos
de acompanhamento, com regras claras e precisas. Hoje
a Corregedoria é passiva. Espero inverter esse quadro,
para que ela seja ativa, que tenha uma programação de
atividades, de como, quando e onde fazer as
correições, por estado e por ano, com a definição de
prioridades.

O senhor acha que dentro do processo administrativo
que tenha sido aberto contra um membro do MP, o
conselho poderia apreciar, em caráter preventivo, o
afastamento administrativo de um procurador, durante
as investigações?

Gonçalves: Hoje, pela nossa lei, só com um processo
administrativo, mas isso nunca ocorreu, na prática. O
afastamento é uma condição sine qua non, em
determinados casos. E, outra coisa, deve-se
estabelecer quando a suspensão é com vencimento e
quando ela é sem vencimento. Se não, você dá férias. A
suspensão sem vencimentos deve ser determinada depois
do resultado final.

A suspensão com vencimento seria durante o processo?

Gonçalves: Dada a necessidade de dar uma instrução
mais isenta, para que não haja nenhum influencia, deve-
se prever a possibilidade de se afastar o investigado
de imediato, nos casos mais graves.



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Assessora de Imprensa - Jaqueline Medeiros

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Jornalista Responsável: Jaqueline Medeiros - DRT-PB 1253