19/09/2017
"Votação universal para presidência de tribunais ajudará na reforma do Judiciário"


A reestruturação do Judiciário passa pela mudança no modelo de escolha dos presidentes de tribunais. Atualmente, só desembargadores têm direito a voto, mas, para o presidente da Associação dos Magistrados Brasileiros, Jayme de Oliveira, todos os juízes de primeiro grau também deveriam participar do pleito.
 
“Para a imensa maioria dos magistrados brasileiros, a eleição direta para tribunais vai mudar bastante os paradigmas dentro da reestruturação do Judiciário, porque não é só o voto do juiz, não é só a questão de votar ou não, mas de envolver toda a magistratura na gestão”, afirma.
 
A partir dessa mudança, diz, será possível discutir o orçamento das cortes, suas prioridades no curto, médio e longo prazos, além dos investimentos necessários tanto para a magistratura quanto para tornar a prestação jurisdicional mais efetiva.
 
Para Jayme de Oliveira, essa alteração, entre tantas outras, é importantíssima porque “o modelo atual se esgotou”, sendo necessário repensá-lo para que seja feita uma redistribuição da força de trabalho e no modelo das serventias, permitindo assim “dar vazão a esse volume absurdo de processos que o Brasil tem”.
 
A ideia sofre resistência de muitos setores da magistratura, mas o juiz garante que isso está mudando. O Rio de Janeiro é citado como exemplo: em 2015, foi votada a possibilidade de mudar o regimento do Tribunal de Justiça estadual para permitir que todos os juízes votassem. A medida foi recusada por apenas um voto.
 
Outra preocupação do presidente da AMB é a falta de segurança jurídica no Brasil, que deixa sociedade “desorientada”. A solução, para ele, passa pela especialização e pela celeridade. “No Supremo e no STJ, a discussão da uniformização acaba demorando demais, resultando em casos que aguardam 10, 15 anos para ter uma orientação.”
 
Leia a entrevista:
 
ConJur — O Judiciário precisa de mudanças?
Jayme de Oliveira — Precisamos repensar a própria estrutura do Judiciário. O Judiciário brasileiro tem um volume de processos sem paralelo em nenhuma outra Justiça do mundo. Isso é fruto do nosso constitucionalismo, da nossa abertura democrática, de um trabalho que se fez durante muito para aumentar o acesso da população à Justiça. Aumentou o acesso, mas a estrutura continuou a mesma.
 
Precisamos encontrar soluções para dar mais agilidade ao nosso trabalho e rediscutir a estrutura das serventias de uma maneira que consigamos mostrar o que temos feito, a importância que o juiz tem para a sociedade. A população, de modo geral, não sabe de tudo aquilo que está sendo feito. Já existem várias iniciativas, mas muitas têm sido tomadas isoladamente pelos tribunais. A AMB quer reunir essas ações todas e abrir uma discussão interna, o que também não pode demorar, porque essas mudanças não podem esperar muito tempo.
 
ConJur — Sobre o excesso de trabalho, muitos magistrados já criticaram o modelo de trabalho da magistratura e até o compararam com o modelo fordista. Como sair disso?
Jayme de Oliveira — Primeiro, precisamos identificar os gargalos. É no primeiro grau que está a maior carga de trabalho. Hoje, em todos os estados da federação, temos cargos vagos de juízes e servidores que não são supridos porque não há orçamento para isso, inclusive para fazer concursos públicos para preencher esses postos porque e para pagar esses novos servidores. Ao mesmo tempo, servidores estão saindo porque estão se aposentando. O modelo atual se esgotou, ele vai precisar se repensado para que não só ocorra a redistribuição da força de trabalho, mas para que haja uma reestruturação interna no próprio modelo das serventias, para dar vazão a esse volume absurdo de processos que o Brasil tem.
 
ConJur — A especialização das varas é um caminho?
Jayme de Oliveira — Acho que é um caminho que precisa ser discutido também com mais amplitude, porque nós temos muita legislações, por exemplo, Código do Consumidor, a legislação empresarial, a de família, a de improbidade administrativa. O modelo atual exige a especialização das varas, porque isso agiliza, firma os entendimentos, dá uma jurisprudência mais uniforme e traz aquilo que é um dos princípios básicos do direito: a segurança jurídica. O Judiciário existe para decidir num sentido que orienta também a sociedade, os comportamentos. E se as decisões variam muito a sociedade ficar desorientada.
 
ConJur — Por que é tão difícil uniformizar o entendimento no país e aplicar essa jurisprudência?
Jayme de Oliveira — Um pouco disso é pela ausência de especialização. No segundo grau, a especialização ajudaria demais. Outro tanto disso é porque os tribunais superiores, que têm a incumbência de uniformizar o entendimento, acabam demorando demais. No Supremo e no STJ, a discussão da uniformização acaba demorando demais, resultando em casos que aguardam 10, 15 anos para ter uma orientação.
 
ConJur — A Loman precisa ser revista?
Jayme de Oliveira — A Loman precisa ser revista num determinado momento, porque ela foi feita antes da reforma constitucional. Agora, qual é esse momento? O que nós temos visto é o país como está hoje não está com a necessária tranquilidade para um debate sério e profundo da reestruturação da carreira e da estrutura da magistratura.
 
Quando superarmos essa fase de instabilidade, vamos ter que colocar em discussão a Lei Orgânica da Magistratura e aproveitar e discutir reestruturação do Judiciário. Não é reforma, é algo um pouco mais profundo, em que a gente coloque em discussão planejamento orçamentário de curto, médio e longo prazo; a reestruturação interna das unidades cartorárias; a valorização do servidor público do Judiciário.
 
O problema é que quem está na base não é gestor do sistema. O professor não é responsável pela secretaria da educação, pelo Ministério da Educação e pela política de educação. Ele apenas cumpre aquilo que recebe. Muitas vezes ele não é nem chamado para discutir a própria legislação e disciplinas que terão de ser aplicadas nas escolas. Recebe aquilo pronto, que vem de um gabinete de Brasília.
 
ConJur — Acha necessária eleição direta em tribunais?
Jayme de Oliveira — Essa é uma grande bandeira da magistratura brasileira e já tem tese aprovada em congresso da AMB, que encontrou muita resistência nos tribunais, mas hoje está sendo criada uma ciência da importância disso. Para a imensa maioria dos magistrados brasileiros, a eleição direta para tribunais vai mudar bastante os paradigmas dentro da reestruturação do Judiciário, porque não é só o voto do juiz, não é só a questão de votar ou não, mas de envolver toda a magistratura na gestão.
 
Quando isso ocorrer teremos uma discussão sobre orçamento, sobre prioridades, sobre os investimentos, e a magistratura toda passa a ser corresponsável pela gestão do Judiciário. Hoje, as eleições estão restritas apenas ao segundo grau e há uma discussão no Supremo para restringir ainda mais o sistema de eleição. Só os juízes mais antigos concorriam aos cargos de direção, os três mais antigos, depois, por mudanças nos regimentos dos tribunais, permitiu-se que todos os desembargadores pudessem concorrer e votar.
 
Isso deu um grande avanço na gestão dos tribunais, foi muito impactante. No Rio de Janeiro, no ano retrasado, aventou-se mudar o regimento do Tribunal de Justiça do Rio para permitir que todos os juízes votassem, e por apenas um voto a proposta de resolução não foi aprovada. Isso demonstra que metade do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro já ganhou a consciência da importância disso. Não foi um número suficiente para aprovar, mas revelou que avançou. Nós fizemos uma pesquisa interna em SP e pelo menos 30% dos desembargadores paulistas já eram favoráveis à tese, o que alguns anos era impensável.
 
ConJur — Uma das principais críticas recentes à magistratura foi a cobrança pelo reajuste salarial. Não é anacrônico pedir reajuste num momento de crise econômica?
Jayme de Oliveira — O que nós tentamos explicar é que o Judiciário vive da sua verba própria. O orçamento do Estado é feito de acordo com a disponibilidade do Estado, e o percentual que o Judiciário recebe é aprovado pelas assembleias. O Judiciário tem conseguido administrar razoavelmente bem seus recursos. O que aconteceu é que nós tivemos um completo descontrole da economia, pelo qual o Judiciário não tem responsabilidade. Porque isso foi má gestão dos recursos públicos ou má gestão da economia.
 
E o Judiciário, e isso é uma coisa que muita gente não fala, dentre suas inúmeras atividades, também é um órgão arrecadador. Dados do CNJ demonstram que o Judiciário traz para os cofres públicos algo em torno de 50% a 60% daquilo que ele consome. No estado de São Paulo, em 2014, a atividade arrecadatória do Judiciário, com custas judiciais e com a execução fiscal, está em torno de 54%. No Rio de Janeiro chega a 68%. Então aquilo que se investe acaba voltando para os cofres públicos — e isso não é considerado.
 
ConJur — Mas e o reajuste?
Jayme de Oliveira — O que nós colocamos na questão do orçamento foi o seguinte: quando se estabeleceu o novo regime remuneratório da magistratura, que foi o regime de subsídios, a Constituição determinou a revisão anual, e se essa revisão anual tivesse sido feita os subsídios teriam sido corrigidos em 45%. É preciso que a sociedade entenda, ou que se crie também um contexto, daquilo que a magistratura precisa enquanto instituição. Porque se se definiu naquele momento que o subsídios seriam aqueles e que eles teriam uma revisão anual por um determinado critério.
 
É preciso que se faça isso para manter, pelo menos, aquele valor que se definiu naquele momento constitucional e para garantir outro princípio, que é o da irredutibilidade dos vencimentos. Isso não tem sido feito. Na gestão do ministro Ricardo Lewandowski no Supremo Tribunal Federal, quando ele encaminhou ao Congresso, por unanimidade dos votos da seção administrativa do STF, o projeto de reajuste para 2016 e para esse ano, foi mencionado que as perdas estavam em 41%.
 
Como não era possível dar os 41% na época, o ministro sugeriu o reajuste em duas parcelas que somariam algo em torno de 17%. Seria uma parte em abril e outra parte seria em janeiro deste ano. Quando fomos ao Supremo questionar isso, simplesmente levamos aquilo que o próprio Supremo tinha reconhecido e enviado ao Congresso.
 
Também levamos ao Supremo a seguinte proposta, que era dentro o orçamento, sem necessidade de aumentar o orçamento, apenas que houvesse a previsão, para que o próprio Judiciário fizesse os seus ajustes, ou seja, ele teria que economizar de alguma maneira, seja no custeio, encontrando mecanismos internos para não onerar o orçamento e conseguir ao mesmo tempo aplicar.
 
ConJur — O senhor acha que o Supremo e o Congresso se omitiram ao analisar esse reajuste?
Jayme de Oliveira — Nós arguimos a omissão do Congresso em não aprovar ou discutir isso, porque a lei está até hoje parada no Senado. O projeto chegou a caminhar, foi aprovado na Câmara, mas acabou parando no Senado no ano passado e até hoje isso não foi discutido. E foi essa a questão que nós levamos ao Supremo.
 
ConJur — O que achou da decisão da ministra Cármen Lúcia obrigando a divulgação dos valores pagos a magistrados?
Jayme de Oliveira — Todos os tribunais, desde a lei da Transparência, já divulgam esses valores. A ministra, pelo que eu pude perceber, entende que também o CNJ deve manter, no seu portal, essa transparência. Parece que ela vai levar isso ao CNJ até para uniformizar o conhecimento nacional. Estamos vivendo um momento de instabilidade porque a sociedade e boa parte da imprensa não compreende as verbas que são pagas atrasadas, principalmente as indenizações, e misturam isso como se salário fosse, o que não é verdade.
 
ConJur — Como assim?
Jayme de Oliveira — Os juízes do Brasil todo, de todas as esferas, recebem dentro do teto, o limite do teto. Mas a própria Constituição ressalva a possibilidade do pagamento de verbas indenizatórias e outras, como 13º salário, indenização de férias e atrasados. O que acontece é que, especialmente durante o período de instabilidade da moeda, os governos não pagavam os salários corretamente, sempre encontravam uma maneira de burlar o salário do servidor.
 
Isso acabou gerando ações, isso aconteceu em todas aquelas mudanças de moeda, aconteceu com a URV, por exemplo. Foram várias as situações que acabaram gerando passivos dentro dos estados. A União, como sempre teve mais recursos, quitou esses passivos no passado. Há 4 ou 5 anos. Porém, nos estados isso não aconteceu porque eles não tinham como pagar, o que gerou um crédito, que foi sofreu correção monetária e incidência de juros.
 
E, conforme as disponibilidades financeiras, os estados foram pagando em parcelas Já nos últimos tempos, durante um período em que tivemos mais prosperidade no país, o orçamento do Judiciário acabou permitindo o início do pagamento dessas indenizações nos estados. E isso é que tem gerado essa polêmica. Todas as verbas pagas em todos os estados foram reconhecidas judicialmente e administrativamente pelo próprio CNJ.
 
ConJur — Outra crítica recorrente à magistratura é a diferença no tratamento frente à advocacia, por exemplo, as revistas na entrada dos fóruns. A magistratura também deveria passar por elas?
Jayme de Oliveira — O entendimento do CNJ deu é que todos devem passar. A exceção é daqueles que trabalham na própria unidade, os juízes, os promotores e os funcionários que trabalham naquela unidade, porque têm crachá. O problema é que no Brasil ninguém quer passar nos detectores de metais do fórum, mas isso é importante porque gera segurança para as partes que vão ao fórum.
 
Quando as pessoas viajam elas passam todas por detectores de metal e ninguém questiona, não tem autoridade que não passe no detector de metal. Então esse nós não vemos como grande problema. Mas houve, sim, uma resistência muito grande a OAB. E não porque o juiz não passava, mas porque os advogados não queriam passar. Nós já tivemos episódios, ainda aqui em São Paulo, de advogado atirar, também tivemos o caso da juíza Tatiane, no fórum do Butantã.
 
ConJur — As penas aplicadas a magistrados são suficientes? O modelo de julgamento não deveria mudar?
Jayme de Oliveira — A questão da pena de aposentadoria é muito mal entendida. Os juízes podem sofrer penas administrativas, civis e penais. A pena administrativa máxima é aposentadoria compulsória. Ela foi criada assim para dar garantia, não para o juiz, mas para a cidadania, de que aquele magistrado não vai ser perseguido e retirado do seu cargo por qualquer alegação de que ele cometeu ilícito.
 
Porque a perseguição pode vir de fora, das partes, do governo e do próprio Judiciário, que, insatisfeito com as decisões daquele juiz, pode querer tirá-lo dali. A inamovibilidade e a vitaliciedade, que geram essa estrutura administrativa que nós temos, serve como garantia. Mas não é verdade que o juiz não possa perder o cargo, ele pode, tanto no âmbito cível quanto no âmbito penal. Depois da pena de aposentadoria compulsória, os autos são remetidos ao Ministério Público para que se apure crime ou improbidade administrativa. E aí, sim, a condenação judicial retira o cargo dele. Então a aposentadoria não é a última pena, ela é apenas restrita ao âmbito administrativo.
 
Mas isso também estava relacionado a um modelo antigo, em que tínhamos a previdência social da magistratura. No passado, o juiz tinha a aposentadoria integral e, durante muito tempo, ele não contribuía para a Previdência Social. Depois de 1988 ele passou a contribuir. E aí é mais ou menos como na iniciativa privada, a pessoa que comete um delito e é demitida preserva sua aposentadoria, porque aquilo é fruto de contribuição e, portanto, se ele continuar contribuindo, lá na frente, quando ele preencher os requisitos, ele tem direito à aposentadoria.
 
De 2003 para cá, os juízes já não têm mais a aposentadoria integral, ele passou para o regime contributivo, para o regime geral da Previdência, todos os juízes que estão vindo de 2003 para cá já estão no regime geral. E essa foi uma perda de garantia para a magistratura porque ela era cercada de garantias, justamente para que você tenha um juiz isento, independente, que não fique sensível às pressões.
 
ConJur — O senhor concorda com a decisão do CNJ em relação à juíza Kenarik Boujikian, que tinha sido punida pelo TJ de São Paulo?
Jayme de Oliveira — Não posso emitir juízo sobre a decisão do CNJ. Mas posso dizer que isso é absolutamente normal dentro da estrutura do Judiciário. O Tribunal de Justiça de São Paulo, por maioria de votos, entendeu que a conduta da magistrada infringia a lei orgânica da magistratura e entendeu pela punição. E o órgão de recurso, que é o CNJ, entendeu completamente diferente, também por maioria de votos,que os atos que ela praticou estavam dentro daquilo que se chama de independência judicial.
 
Porque o CNJ, administrativamente, tem de preservar a independência do juiz para julgar. Na dúvida, a AMB sempre se posiciona pela preservação da liberdade ao julgador, ainda que não gostemos da decisão. As decisões judiciais, em geral, não agradam. Portanto, o que o CNJ fez foi reconhecer que, no caso da juíza Kenarik, ela agiu dentro da sua liberdade de julgadora.
 
ConJur — Em sua decisão, o CNJ criticou o entendimento do TJ-SP, inclusive com a ministra Cármen Lúcia classificando o ato como censura. O TJ de São Paulo pune juízes garantistas?
Jayme de Oliveira — Não vejo dessa forma. O tribunal, com 360 desembargadores, engloba vários pensamentos. O que é importante, dentro do Direito, mas também acaba gerando dificuldade de compreensão. Quando se estuda o caso concreto, dentro das normas que podem ser aplicadas, há, em algumas ocasiões, mais de um caminho a adotar. Por isso que uma decisão pode ser modificada pela instância superior, seja administrativa ou judicial. Toda decisão judicial ou administrativa que é alterada, e os juízes convivem bem com isso.
 
ConJur - Os pedidos de suspeição aumentaram nos últimos tempos. Eles estão sendo usados de forma banal?
Jayme de Oliveira — O aumento é proporcional ao número de processos, que cresceu. Com 100 milhões de processos tramitando é natural ter essas questões. É que muitas vezes tenta-se fazer uso do impedimento da suspensão para afastar um juiz do processo. E é isso a maior preocupação daqueles que têm que julgar os pedidos de suspeição. Saber se eventualmente há razão para afastar o juiz do processo.
 
O instituto da suspeição é muito importante, seja dentro do Código de Processo Civil, seja no Código de Processo Penal, porque ele traz a preocupação da independência do juiz. Por outro lado, temos que ter a preocupação de que ele não seja usado como instrumento para afastar aquele julgador do caso, aquele juiz que você não quer que julgue o seu caso. E isso muitas vezes acontece, mas as cortes têm tratado isso com muito rigor para evitar esse tipo de situação que eu me referia.
 
ConJur — O juiz Sergio Moro está com um único caso há três anos. Há algum outro magistrado que está com um única causa há tanto tempo assim?
Jayme de Oliveira — Não conheço, mas me parece que essa causa é suis generis, porque a operação começou com uma questão pequena, depois ela foi aumentando e, diante das gravidades dos fatos, é natural que isso ocorra, porque as operações não acabam e a cada nova fase surgem fatos novos, novas delações. Então é natural. É um caso gigantesco, que praticamente passou o país a limpo.
 
ConJur - Esse poderia ser um modelo a ser seguido para casos de corrupção?
Jayme de Oliveira — No caso não é destacar um magistrado para cuidar do assunto, porque a distribuição tem de ser prévia. A ideia da especialização é dar mais agilidade às respostas judiciais, seja para absolver ou para condenar. Porque quem está sendo processado quer logo terminar com aquilo, porque aquilo evidentemente incomoda e o réu que se vê inocente precisa logo de uma sentença que o absolva. Mas aquele que é culpado também precisa ser responsabilizado logo, porque a pior coisa que pode existir para a Justiça é ela não conseguir punir o culpado e absolver o inocente em tempo rápido, porque isso frusta o sentimento de justiça que cada um carrega.
 
ConJur — Há necessidade de criar varas de improbidade administrativa para segmentar isso ou o modelo atual ele já é suficiente? Os casos de corrupção deveriam ganhar prioridade em relação a outros?
Jayme de Oliveira — Quando sustentamos a necessidade de especialização é para dar mais agilidade, não apenas para improbidade, mas em geral. Quando falo da necessidade de reestruturação interna, falo também de câmaras especializadas em família, infância e juventude, para o próprio crime. O Judiciário tem que se repensar para dar respostas mais rápidas para a sociedade, até para que o combate ao crime de modo geral, não apenas os crimes políticos, os crimes administrativos. Esse combate exige uma agilidade das polícias, do Ministério Público e do Judiciário para não gerar sensação de insegurança.
 
ConJur — Muitos juízes de primeiro grau que lidam com casos envolvendo o crime organizado reclamam que se sentem inseguros após serem ameaçados por essas organizações. Como resolver esse problema?
Jayme de Oliveira — Melhorando a segurança, que vai desde a segurança do fórum, com detector de metais, até a segurança pessoal do magistrado, de modo geral. No estado de Goiás, mais de três fóruns foram incendiados nos últimos 18 meses, nós também temos um juiz federal no Mato Grosso que está ameaçado há muitos anos. Ele tem segurança pessoal, mas estamos tendo uma discussão para saber como faremos quando ele se aposentar. Pois, em tese, com a aposentadoria, toda a segurança pessoal é retirada. Mas o risco pode continuar.
 
A AMB tem defendido isso, o magistrado mesmo na inatividade, porque ele assumiu aquele risco por conta da profissão, deve continuar tendo segurança. Mas precisamos também de uma política nacional de segurança, o CNJ tem essa preocupação e tem todo o monitoramento dos juízes ameaçados. Mas, além do controle no monitoramento, nós precisamos de políticas efetivas de segurança de magistrados.
 
ConJur – A execução da pena após condenação em segunda instância precisa ser revista?
Jayme de Oliveira – A execução penal no Brasil tem uma particularidade, porque o juiz é o fiscal da execução penal, controla processualmente a pena, mas a gestão dos presídios compete ao poder Executivo. Isso gera vários problemas porque não está na mão do juiz o controle da gestão da atividade penitenciária, e ele acaba sofrendo as consequências da má gestão. O Brasil tem que discutir o seu modelo de execução penal. Temos alguns sistemas alternativos, a eficácia de algumas penas, por exemplo, o fim da pena do regime semiaberto.
 
Muitos professores acham que deveria existir só o fechado e o aberto, até porque o Brasil não conseguiu, ao longo dos anos, construir sistemas de semiaberto em número necessário para que a progressão ocorra como está previsto na legislação. Não há quem sustente isso. O grande problema do Brasil é que as discussões só ocorrem em momentos de crise. Passada a crise, ninguém mais volta a falar no assunto. Isso é uma característica no Brasil, fica se esperando uma nova crise, um novo problema para as autoridades se mexerem novamente.
 
O CNJ já fez mutirões porque o volume é muito grande. No Paraná, um magistrado que ganhou um dos prêmios do Inovare no ano passado desenvolveu um programa de computador muito bom que controla isso. O governo está pensando em ter hoje um sistema nacional de controle, porque, se você perguntar hoje quantas pessoas estão no sistema penitenciário, você não consegue ter um número exato porque os dados estão todos espalhados nas unidades federativas.
 
E a identificação do preso e controle do preso é fundamental para que você consiga criar uma política razoável. Temos cerca de 700 mil pessoas no sistema penitenciário, que comporta só cerca de 400 mil, e ao mesmo tempo você tem 300 mil mandados de prisão para serem cumpridos. Então é um sistema que precisa urgentemente de solução, mas as instituições arrefecem quando as crises diminuem.
 
ConJur — Existem alguns pontos que já ganharam força para mudar a lei de execução penal ou a discussão ainda está num momento inicial?
Jayme de Oliveira — Nós estamos querendo discutir, primeiro, esses regimes alternativos, porque a grande questão é a recuperação, porque a ideia da execução penal, é lógico, você encarcera para tirar uma pessoa que ponha a sociedade em risco, então você tem que encarcerar, tirar do ambiente social. Mas colocada ali, você tem que desenvolver um trabalho para reinserir essa pessoa no sistema.
 
O que as APACs têm mostrado, o próprio acesso ao sistema de APACs sofre um controle. Mas o que um sistema como a APAC mostra é um índice melhor de ressocialização. O Brasil optou por grandes penitenciárias, foi uma opção que nós fizemos há 30 anos, e isso não deixa de ser um problema. Por exemplo, nos crimes menores, nos delitos de menor potencial, que aconteciam no interior, quando a pessoa ficava presa ali mesmo, nos próprios distritos policiais, que não eram considerados lugar adequado, mas acabavam cumprindo a pena ali, você tinha uma possibilidade de ressocialização melhor, porque a pessoa estava no próprio ambiente, não se misturava com outros.
 
Hoje quando uma pessoa que comete um delito pequeno é colocada dentro do sistema penitenciário, você a deixa praticamente sem saída, porque ela vai ter que provavelmente ali adotar, o sistema está hoje comandado por facções criminosas, essa pessoa vai acabar se inserindo numa ou outra, até por uma questão de sobrevivência.
 
ConJur — Então o combate ao crime organizado também passa pela reformulação do sistema penitenciário brasileiro?
Jayme de Oliveira — Uma das formas de combate é repensar o sistema penitenciário como um todo, mas nós estamos ainda numa fase de colher propostas. E uma coisa é a proposta, outra é você conseguir operacionalizar a demanda contra toda a burocracia do estado brasileiro. Você vai ter às vezes que passar pelo Legislativo, quando vai para o Executivo tem outros obses, passa por infinitas comissões. O nosso modelo de gestão pública, de modo geral, é um modelo de deficiência e de burocratização, o que dificulta qualquer política pública.
 
ConJur — A gestão penitenciária nas mãos do governo federal seria uma saída?
Jayme de Oliveira — O governo federal tem sempre mais recursos do que os governos estaduais, mas a federalização não me parece que seja o caminho. Temos hoje cinco presídios federais que acabam aliviando as penitenciárias estaduais. O Brasil é uma república federativa, mas é uma federação muito mais no papel que na prática. Nosso modelo continua centralizado e não federalizado. Se nós tivéssemos uma federação de verdade os estados teriam mais autonomia, que ajudaria na agilidade.
 
As penitenciárias federais funcionam bem porque são poucas e o número de presos lá é limitado, enquanto nos estados é diferente. Se você tiver poucas penitenciárias nos estados e poucos presos fica mais fácil de gerir. Mas, antes disso, o país precisa definir se quer ser uma federação ou um estado unitário. Como a escolha, em tese, foi federação, teríamos que dar autonomia para esses estados e, evidentemente, cobrar desses governos uma política maior.
 
Qual é o problema político que vemos, é que muitas vezes o investimento no sistema penitenciário encontra resistência até mesmo na sociedade. Porque sempre haverá o discurso de que é melhor investir em educação, saúde, transporte. Investir no sistema penitenciário vai trazer segurança para a população, vai melhorar a vida da sociedade, porque se você conseguir um preso que se recupere, que não volte a delinquir, é uma grande conquista para a sociedade.
 
ConJur — Sobre a reforma eleitoral, qual modelo de governo mais lhe agrada?
Jayme de Oliveira — A Constituição determinou um plebiscito que foi feito no país, e o plebiscito foi pelo modelo do presidencialismo. Acho que nós podemos discutir isso, se vai continuar presidencialista, se vai passar a semipresidencialismo, para parlamentarismo, mas qualquer alteração deve ser consultada junto à população. Porque não é razoável que a Constituição tenha determinado uma consulta e essa consulta depois de 20 anos seja completamente ignorada. Uma reforma desta extensão sem ouvir o povo seria absolutamente inconstitucional.
 
ConJur — E o modelo de votação?
Jayme de Oliveira — O modelo distrital ou distrital misto talvez seja mais adequado, mas também exige uma discussão com a sociedade. Você comentar “ah, mas na Europa funciona bem”, sim, porque eles têm uma tradição, porque eles seguem um modelo. Lá as coisas não mudam o tempo inteiro e no Brasil se procura um modelo novo a todo instante, não se permite que a população se acostume e eventualmente as mudanças venham pontualmente de acordo com a nossa realidade, com a nossa cultura.
 
A crítica que se faz ao modelo atual é que normalmente os partidos arrumam um puxador de voto, uma pessoa que vai ter uma votação muito grande, para acabar elegendo pessoas com pouquíssimos votos que, portanto, teriam muito pouca representatividade. Mas também o modelo que se discute hoje, de eleger os 70 mais votados também acaba gerando alguma distorção. Por que eu gosto do modelo distrital, porque, na minha opinião, há mais vínculo do parlamentar com o distrito ou região onde ele foi eleito e o controle popular sobre a atuação daquele parlamentar melhora.
 
ConJur — É possível que o distritão seja aprovado. Há um entendimento do Supremo que em eleições para cargos majoritários o mandato é do eleito, não do partido. Em caso de aprovação do distritão isso também permitiria que esses parlamentares fossem donos dos mandatos em vez do partido?
Jayme de Oliveira — Pois é. Por isso que eu acho que essas mudanças sistemáticas de eleição para eleição acabam desestabilizando mais do que gerando estabilidade política no país. Uma coisa que me parece que precisaria ser alterada, isso, sim, com alguma urgência, é a questão do número de partidos. O país não pode conviver com essa quantidade de partidos. O país saiu de um bipartidarismo para um pluripartidarismo, saiu de um extremo a outro.
 
Acho que nós deveríamos ter, sim, o pluripartidarismo, mas com um número razoável de partidos, e partidos fortes, e que de alguma maneira vinculassem os parlamentares ao programa do seu partido, para que também se criasse uma cultura política mais consistente no país. As pessoas não votam partido, a maioria vota no parlamentar porque conhece, simpatiza, e acaba não conhecendo muito as propostas dele. O que fortalece a política é a existência de partidos fortes e bem definidos no ponto de vista de programas.
 
ConJur — O senhor concorda com a extinção de algumas zonas eleitorais?
Jayme de Oliveira — A AMB se posicionou contrariamente a isso por várias razões. Uma delas é porque trabalhou-se muitos anos no Brasil para aproximar o Judiciário da população, e aí nós estamos falando do Judiciário como um todo. E a zona eleitoral ela foi sempre o objeto importante de presença do Judiciário na comunidade. Nós chegamos a mais de 3 mil zonas eleitorais no país e, no início, havia uma pretensão de se excluir quase um terço dessas zonas, o que nós achamos que era despropositado.
 
Depois houve uma reestruturação com o próprio TSE e hoje estamos falando de 300 zonas eleitorais em vias de extinção ou sendo extintas nesses últimos tempos. A AMB foi ao Supremo por entender que havia ali um conflito de atribuição. Porque compete aos tribunais regionais eleitorais a organização da sua Justiça Eleitoral em cada estado, submetendo essa organização à homologação do TSE. A determinação de extinção veio do TSE, sendo que o melhor debate, não só internamente com os TREs, deveria ser feito com a sociedade e com o Congresso. Há também uma preocupação muito grande com os próprios servidores da Justiça Eleitoral.
 
Eles não foram ouvidos e estavam inseguros sobre a situação, porque alguns estados prestavam concursos para aquela zona específica e, extinta a zona, talvez tivéssemos algum problema ali. Tudo isso está sendo tratado, a ação não foi julgada ainda, está sob relatoria do ministro Celso de Mello, e nós estamos aguardando uma posição do Tribunal Superior Eleitoral para equacionamento dessa questão.
 
ConJur — Algumas entidades de classe da magistratura são criticadas por fazerem esse “sindicalismo de toga”. Há um corporativismo exacerbado dentro dessas entidades?
Jayme de Oliveira — Não concordo com a expressão e a acho muito infeliz, porque revela uma falta de compreensão do que significam essas associações e a importância delas. Um juiz, no exercício da profissão, pela própria natureza do cargo, não se manifesta, e não cabe a ele manifestações isoladas. As associações surgiram, num primeiro momento, como entidades beneficentes.
 
Elas foram criadas porque os juízes passavam dificuldades, foi o caso da Apamagis. Com a evolução, as demais associações também se transformaram no exercício de um papel político, institucional, que era de dar voz, de contribuir para o Judiciário. Essa visão que se expressa, de sindicalismo, é uma visão completamente equivocada, que revela, na verdade, um certo saudosismo de uma época em que o Judiciário era muito fechado, não dialogava com a população.
 
ConJur — Os tribunais deveriam ser geridos por um administrador?
Jayme de Oliveira — Esse é um tema que merece reflexão e não diria só nos tribunais. Em alguns países europeus, por exemplo, o juiz se concentra totalmente na atividade jurisdicional e existe uma administração do Tribunal, que é feita por profissionais da área de administração pública. E o juiz, nesses países, tem que ter a preocupação única e exclusiva com o processo, com a decisão, com o encaminhamento daquela solução judicial para o caso. O Brasil adotou um modelo diferente. Evidentemente a gente não vai conseguir sair deste modelo para um outro radical, mas essa discussão da necessidade de você ter gestores públicos na administração dos tribunais vai ao encontro da necessidade de ter um planejamento.
 
Para você ter um planejamento de longo prazo, tem que ter profissionais da área de gestão, de administração. Eu sou muito simpático à ideia de também serem criados cargos de administradores públicos para contribuir e para gerir tribunais. Não sei se chega a esse modelo de o presidente fazer só a representação institucional, afinal de contas ele é o gestor, no nosso modelo, é ele que assina, inclusive perante o Tribunal de Contas, pela gestão do Tribunal. Mas não tenho dúvida que precisamos avançar nessa discussão para aperfeiçoar esse modelo.
 
ConJur — O Judiciário está cada vez mais sendo observado. Como lidar com essa mudança?
Jayme de Oliveira — Isso está acontecendo por conta do protagonismo que o Judiciário assumiu. A legislação, a Constituição e as leis acabaram conduzindo as pessoas ao Judiciário, tanto que nós temos aí 100 milhões de processos, o que quase que se pode dizer que o Brasil está em litígio. E também passou a haver uma maior exposição, nós temos a TV Justiça e julgamentos que são transmitidos ao vivo.
 
A AMB vai promover um congresso em maio de 2018 cujo título é “Politização da Justiça ou judicialização da política”, justamente para analisarmos isso e encontrar um ponto de equilíbrio. Evidentemente que isso tem um lado positivo, mas também traz dificuldades, porque, se o Judiciário não souber explicar bem o seu trabalho e a sua situação, acaba sendo mal compreendido.
 
ConJur — Mulheres dizem que não procuram as autoridades após casos de assédio ou estupro porque se sentem inibidas pelo tratamento que recebem. Como resolver isso?
Jayme de Oliveira — Nós tivemos, sim, ranços culturais que o país vivenciou, mas a sociedade brasileira está convivendo, está trabalhando muito, e o Judiciário também, para que isso não ocorra, para criar os espaços necessários para um bom atendimento às mulheres.
 
ConJur — Um levantamento da ConJur mostrou que o número de mulheres nas segundas instâncias é muito inferior ao de homens. O que explica isso?
Jayme de Oliveira — Isso decorre do momento histórico do país. Há 20, 25 anos, as mulheres nem prestavam concurso para magistratura. Muitas que prestavam não passavam. Nos últimos 25 anos, a cultura mudou e as mulheres ocupam todos os espaços e profissões, foi um avanço cultural extraordinário. Só que a carreira tem um tempo para ser percorrida, então, daqui alguns anos, essas juízas que ingressaram na década de 1990 vão começar a chegar aos tribunais. Vai chegar um momento em que nós vamos ter mais mulheres nos tribunais que homens porque elas têm entrado mais na carreira que eles.
 
Conjur
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Assessora de Imprensa - Jaqueline Medeiros

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